Impeachment
de Dilma divide opiniões na América Latina
- 01/09/2016
06h26
- Buenos
Aires
Monica Yanakiew - Correspondente da Agência Brasil
A
Argentina, principal sócia do Brasil no bloco regional Mercosul, reagiu com
cautela à destituição de Dilma Rousseff, cujo mandato presidencial será
concluído por seu vice, Michel Temer. Em nota divulgada nessa quarta-feira
(31), o Ministério das Relações Exteriores afirmou que “respeita o processo
institucional verificado no pais-irmão” e reafirmou a vontade de continuar o
processo de integração em um contexto de “respeito aos direitos humanos, às
instituições democráticas e ao direito internacional”.
As
reações ao impeachment de Dilma e à posse de Temer deixaram em
evidência a crise que se instalou no Mercosul no fim de junho, quando o Uruguai
concluiu seu mandato como presidente pro tempore do bloco.
Cada um dos cinco países exerce o cargo rotativo por seis meses, antes de
entregá-lo ao próximo, em ordem alfabética.
A
partir de agosto, seria a vez da Venezuela, mas três dos quatro membros
fundadores se opuseram. O Brasil, governado interinamente por Michel Temer,
argumentou que os venezuelanos não tinham cumprido os requisitos necessários
para serem considerados membros plenos. A Argentina e o Paraguai consideram que
o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está violando a cláusula democrática
(condição para integrar o bloco) ao mandar prender líderes opositores.
A
Venezuela – que assumiu a presidência do Mercosul à revelia do Brasil, da
Argentina e do Paraguai e em meio a uma grave crise econômica e política - foi
o mais duro a reagir contra oimpeachment de Dilma. Em comunicado
divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores, o país anunciou que vai
retirar definitivamente seu embaixador em Brasília, “para resguardar a
legalidade internacional e em solidariedade ao povo do Brasil”.
O
Equador e a Bolívia também prometeram retirar seus embaixadores de Brasília. E,
juntamente com a Nicarágua, denunciaram o que consideram ser um “golpe
parlamentar” contra Dilma Rousseff perante a Organização dos Estados Americanos
(OEA), cujo secretário-geral, Luís Almagro, foi ministro das Relações
Exteriores do Uruguai no governo do ex-guerrilheiro Jose “Pepe” Mujica.
Almagro
tem sido um dos maiores críticos da Venezuela. Segundo ele, a democracia
naquele país deixou de existir quando Maduro começou a perseguir seus
opositores, que nesta quinta-feira (1º) convocarão uma grande marcha de
protesto. Eles conquistaram maioria no Congresso em dezembro e estão juntando
assinaturas para convocar um referendo revogatório com o objetivo de destituir
Maduro antes do fim de seu mandato em 2019. O objetivo é que o plebiscito
ocorra antes do fim do ano para realizar novas eleições presidenciais. Depois
desse prazo, mesmo se Maduro for derrotado nas urnas, o vice dele assumirá o
poder.
Cuba
(que está em pleno processo de reaproximação com os Estados Unidos, depois de
mais de meio século de guerra fria) também criticou o impeachment de
Dilma. Mas a Venezuela foi além dos demais, ao prometer “congelar as relações
políticas e diplomáticas com o governo [de Temer] que surgiu desse golpe
parlamentar”.
Impeachment de Lugo
Foi
graças à destituição do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012,
que a Venezuela conseguiu aderir ao Mercosul. Sua entrada havia sido aprovada
pelos governos dos quatro países fundadores, que na época eram todos de
esquerda. Mas tinha sido vetada pelo Congresso paraguaio, dominada pelo Partido
Colorado, de direita – atualmente no poder.
Apesar
de o impeachment estar previsto na constituição paraguaia, o
processo-relâmpago que destituiu Lugo foi considerado um “golpe parlamentar”
pelos governos da região, que suspenderam o Paraguai do Mercosul até o
vice-presidente concluir o mandato e convocar novas eleições presidenciais. O
vencedor, Horácio Cartes, é do Partido Colorado, que votou contra Lugo.
Enquanto
o Paraguai estava afastado – sem voz, nem voto –, a Venezuela foi admitida no
Mercosul e tinha até meados de agosto para incorporar centenas de normas e
adquirir statusde membro pleno. Isso não aconteceu, até porque a
conjuntura internacional mudou: os preços das commodities (entre
eles o do petróleo, principal produto de exportação venezuelano) caíram. As
economias regionais deixaram de crescer ao ritmo da década anterior, quando
sobrava dinheiro para financiar planos sociais.
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De
todos os membros do Mercosul, o Paraguai foi o mais crítico da Venezuela. O
maior jornal do país, o ABC Color, deu menos destaque à saída de
Dilma do que ao fim do “bolivarianismo” – movimento lançado pelo ex-presidente
da Venezuela Hugo Chávez, que pregava a união da América Latina e a adoção de
um modelo econômico regional alternativo, mais voltado para a área social. Em
menor ou maior medida, a Argentina, o Brasil, a Bolívia, o Uruguai e o Equador
seguiram uma receita parecida, reduzindo de forma significativa a pobreza.
“Temer confirma o fim do Brasil bolivariano”, anunciou o jornal.
A
presidente do Chile, Michelle Bachelet – que como Dilma foi vítima da ditadura
militar e cumpre seu segundo mandato – emitiu comunicado manifestando respeito
“pelos assuntos internos de outros Estados e em relação à recente decisão
adotada pelo Senado brasileiro”. Além de expressar confiança de que o Brasil
vai resolver seus desafios, Bachelet manifestou “apreço e reconhecimento à
ex-presidenta Dilma Rousseff” e afirmou que os dois países “mantiveram relação
intensa e produtiva durante seu mandato”.
Os
argentinos – que enfrentam três anos de estagnação econômica e cujo presidente,
Mauricio Macri, em oito meses de governo anunciou ajustes sem conseguir atrair
os investimentos previstos – esperam que o impeachment acabe
com o clima de incerteza política que paralisava os negócios. Na imprensa,
muitos analistas dizem que o panorama pode continuar complicado, com o
surgimento de novas denúncias e o PT na oposição.
Ex-presidentes
Os
ex-presidentes da região que conviveram com 13 anos de governos petistas também
se manifestaram. A antecessora da Mauricio Macri, Cristina Kirchner, expressou
a sua opinião sobre o impeachment pelo Twitter: “América do
Sul, outra vez laboratório da direita mais extrema. Nosso coração junto ao povo
brasileiro, Dilma, Lula e os companheiros do PT. Se consumou no Brasil o golpe
institucional”, disse.
Cristina
é acusada por Macri de ter esvaziado os cofres públicos e deixado como herança
uma inflação anual de dois dígitos – uma situação que o obrigou a tomar medidas
de ajuste, na esperança de atrair investimentos.
O
presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, manteve silêncio. Seu antecessor, Jose
“Pepe” Mujica - que é hoje senador –, afirmou em reunião com líderes sindicais
que o impeachment de Dilma “foi um golpe anunciado”, mas que
serviu de lição: “A companheira Dilma não teve cintura para negociar e,
sobretudo, surpreendeu muita gente de suas próprias fileiras porque quis frear
o peso da crise econômica com algum tipo de medida relativamente conservadora”.
Imprensa
A
notícia da saída de Dilma e da posse de Michel Temer foi manchete na imprensa
latino-americana, que refletiu o debate no Brasil entre aqueles descontentes
com a crise - que acham que o PT afundou a economia - e os que dizem que a
ex-presidenta foi julgada injustamente, por um crime menor e por políticos
comprovadamente corruptos.
“Dilma
disse que se consumou um golpe de Estado”, noticiou o jornal argentino Clarin,
ao explicar que ela não foi julgada por corrupção – mas pela manipulação de
contas públicas ("pedaladas fiscais"). “É o fim de uma era no
Brasil”, acrescentou. O jornal de maior circulação na Argentina descreve Temer
como um político “conciliador”, que mede suas palavras e terá a difícil tarefa
de fazer os ajustes necessários. Acrescentou que considera "todos
culpáveis” pela situação e opina que “o poder dominante” se aproveitou das
circunstâncias “para transferir a responsabilidade da eleição de uma maioria
nacional a meia centena de senadores”, o que abre perigoso precedente na
região.
O
jornal argentino Pagina 12, de esquerda, resumiu o impeachment em
um título de duas palavras: “Golpe Consumado”. Acrescentou que, mesmo
destituída, Dilma terá futuro politico. Seus opositores não obtiveram o apoio
necessário de dois terços do Senado para inabilitá-la de exercer cargos
políticos durante oito anos. A agência oficial Telam também
ressalta a decisão de Dilma de continuar se opondo aos “golpistas”.
Edição: Graça Adjuto
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