Conheça
as fintechs, as startups que desafiam os bancos
São Paulo – Imagine um mundo em que você não
precisa ir à agência bancária resolver absolutamente nada: é tudo pelo celular.
Precisou de um empréstimo? Em vez da burocracia e dos juros altíssimos, é
possível conseguir dinheiro a taxas mais baixas e com mais eficiência, também
pela internet. E, se você quiser, pode ainda aumentar seu limite do cartão de
crédito com um clique, sem conversar com ninguém – Ah! E sem taxa de anuidade.
Imaginou? Pois saiba que essa forma de lidar com o
dinheiro – mais rápida, mais transparente e mais barata – já existe e está cada
vez mais popular. As mudanças no setor vêm ocorrendo graças às fintechs, startups que abusam da tecnologia no setor financeiro e representam um desafio e tanto
para os bancos.
"Tenho certeza que nós, bancos, temos que
correr", disse o presidente do Itaú, Roberto Setubal, durante congresso da
Febraban em junho.
Dividindo os lucros
O setor bancário é um dos que mais lucram no Brasil
e no mundo. No ano passado, os cinco maiores bancos brasileiros tiveram juntos
um lucro líquido de 69,9 bilhões de reais, alta de 16,2% em comparação com
2014, de acordo com levantamento do Dieese. Só o Itaú Unibanco foi
responsável por uma fatia de 23,8 bilhões de reais desse montante. Isso em
plena recessão econômica.
No mundo, o lucro dos bancos já chegou próximo à
barreira do 1 trilhão de dólares: segundo levantamento da revista The Banker, o valor bateu em 920 milhões em
2013.
Tenho certeza que nós, bancos, temos que correr.
Roberto Setubal, presidente do Itaú
No entanto, os grandes grupos financeiros acreditam
que considerável parte desse lucro estará nas mãos de atores diferentes num
futuro próximo. O banco norte americano Goldman Sachs estima que 20% deste mercado pode ser
abocanhado pelas fintechs.
Outro estudo, elaborado pela PwC, e que
entrevistou 176 presidentes-executivos de instituições financeiras de todo
mundo, mostra que 81% desses líderes acreditam que a velocidade das mudanças
tecnológicas ameaça o crescimento de suas companhias.
Mais eficiente e mais barato
O cenário parece desafiador para as instituições
bancárias, mas é animador e potencialmente mais econômico para o usuário.
Especialistas entrevistados por Exame.com são unânimes em dizer que o avanço
das fintechs melhora o serviço oferecido ao consumidor, tanto em preço quanto
em eficiência.
“As fintechs estão muito baseadas no ganho de
eficiência desse mercado. Elas são enxutas então conseguem competir com preço,
diferentemente dos bancos que têm uma estrutura enorme com vários produtos”,
afirma Marcelo Bradaschia, fundador do FintechLab, um observatório do setor no
Brasil.
Apesar de ainda incipiente por aqui, esse mercado
já tem bons números para apresentar. O Brasil tem hoje 130 fintechs e metade
delas já alcançou um faturamento acima de 1 milhão de reais, de acordo com o relatório do FintechLab. Em 2016, devemos atingir a
marca de 450 milhões de reais investidos nessas startups, número puxado por
empresas já mais consolidadas como Moip e Nubank.
O caso Nubank
O Nubank
é talvez
a fintech brasileira de maior expressão atualmente e um ótimo exemplo da
combinação entre eficiência e menor preço. A startup oferece um cartão de
crédito administrado pelo usuário por meio de um aplicativo, pelo qual o
cliente tem controle sobre todas as suas operações e pode inclusive alterar seu
limite.
Além da interface amigável e com informações
claras, o cartão não tem tarifas e cobra taxas de juros abaixo do mercado. Como? A resposta está no investimento
em eficiência para manter uma estrutura enxuta e, portanto, mais barata.
“Não tem milagre. Se a gente gastar um dinheirão
com custo, não conseguimos passar isso para o cliente”, afirma a
vice-presidente da startup, Cristina Junqueira. A novidade tem conquistado
multidões. A empresa não revela o número total de usuários, mas divulga que
mais de 3 milhões de pessoas já solicitaram o cartão.
Experiência do cliente
O foco na experiência do cliente
é outra ótima notícia para os usuários.
“A verdade é que os bancos nunca
tiveram sua estrutura focada para dar ao cliente uma melhor experiência. Hoje
você entra no site de um banco e é quase uma replicação do sistema físico que
ele tem. Mudar essa lógica é caro e o fato é que o mercado financeiro sempre
teve poucos jogadores”, analisa Bradaschia, do FintechLab.
Muitas das fintechs conquistam
seus usuários justamente em cima de práticas pouco amigáveis dessas grandes
instituições, como informações pouco claras e a burocracia no atendimento. O
resultado é que as pessoas não são exatamente fãs dos bancos dos quais são
clientes e por isso estão abertas a alternativas que lhes pareçam melhores.
“Se existia um pensamento no
mercado de que o cliente não vai querer desapegar da grande instituição,
estamos vendo que não é bem assim. Quando começamos com o Nubank, vimos que o
consumidor, principalmente o mais jovem, está pronto para isso. A gente achava
que ia ter uma barreira enorme e na prática não teve. Bastou entregar uma
experiência legal, superior, digital, que o cliente topou”, conta a
vice-presidente do Nubank.
Os bancos obviamente estão
observando esse movimento e buscando se modernizar. Porém, mudar a cultura de
instituições gigantes é caro e demorado, e as fintechs cumprem um papel
importante nas duas pontas desta relação – elas estão levando oxigênio aos
bancos e ainda criando usuários mais exigentes.
“Muitos bancos têm se associado
às fintechs e a tendência é que isso traga soluções mais transparentes para
eles. Porém, o movimento mais importante acontece na outra ponta. O usuário
passa a ter mais ferramentas para não ser enganado. É mais fácil capacitar o
usuário do que esperar que os bancos diminuam suas margens de lucro pensando
num bem maior. Esse consumidor vai começar a fazer perguntas”, avalia Renan
Costa Rego, gerente de Aceleração da Artemisia, uma aceleradora focada em startups
de impacto social, muitas delas fintechs.
Inclusão
Outro movimento importante potencializado por essas
startups é o aumento das opções de serviços financeiros para a população de
baixa renda. Segundo o gerente da Artemisia, as fintechs oferecem soluções
principalmente para as classes B, C e D, mesmo que muitas vezes não se
identifiquem inicialmente com este nicho.
“Um serviço como o do Nubank não faz sentido para
alta renda, porque esse cara vai ter um cartão com programa de milhagens
melhor, por exemplo. O grande foco do ponto de vista do mercado é a baixa
renda”, afirma Rego.
Além do cartão sem taxas, outros exemplos são
serviços como micro seguros, oferecido pela startup Tô
Garantido, ou de empréstimos com melhores taxas, como é o
caso da Biva.
Uma consequência disso é a inclusão de milhões de
brasileiros que hoje nem sequer têm uma conta bancária. Cerca de 55 milhões de
brasileiros adultos estão excluídos do sistema bancário convencional, segundo
dados do IBGE. São pessoas que muitas vezes enfrentam longas filas nas
lotéricas para pagar as contas do mês e ainda perdem dinheiro por conta da
inflação.
Muitas fintechs têm surgido com o objetivo de
oferecer serviços para essa fatia do mercado, que sempre foi alvo dos bancos,
sem muito sucesso.
Uma delas é a Tá
Pago, startup
que permite ao usuário fazer pagamentos via celular na rede credenciada. Para
usar o sistema não é necessário ter um smartphone, pois as transações ocorrem
através de uma senha enviada via SMS.
“Qualquer pessoa pode acessar o site da Tá Pago e
comprar créditos via boleto ou cartão de crédito. Diferente dos cartões
pré-pagos que existem no mercado, nossa solução não tem custo algum para o
usuário”, afirma Vinícius da Costa Santos, um dos fundadores da empresa. Por
enquanto, a rede credenciada da Tá Pago está apenas nas cidades de Marília,
Pompeia e Jundiaí, no interior paulista.
Ameaça aos bancos?
Com tantas vantagens, será que
afinal as fintechs são uma ameaça ao sistema bancário tradicional? A resposta,
pelo menos por enquanto, é negativa.
Se no início essas startups
chegaram com um discurso de enfrentamento aos bancos, hoje elas perceberam que
precisam dessas instituições, inclusive por questões de regulamentação.
“Hoje não faz sentido enxergar
como ameaça, porque um depende do outro. É como se a fintech fosse uma lancha e
o banco fosse um Titanic: grande, leva muita gente, só que é difícil de
manobrar. A lancha é mais rápida”, compara Renan Rego, da Artemisia.
E completa: “Uma fintech hoje
precisa do banco porque o ambiente é muito regulamentado. O banco tem capital,
tem influência em regulamentação e, principalmente, tem uma carteira de
clientes já devidamente organizada e que já está no seu custo.”
Do lado dos bancos, apesar da
segurança de sua posição hoje no mercado, há um forte movimento de aproximação
com essas startups – afinal, ninguém quer ser pego de surpresa.
É como se a fintech fosse uma
lancha e o banco fosse um Titanic: grande, leva muita gente, só que é difícil
de manobrar. A lancha é mais rápida. Renan Rego, gerente de Aceleração da
Artemisia
“A gente vê um movimento dos
bancos de aproximação. O Itaú tem o Cubo, para fomentar o ecossistema, o
Bradesco tem a InovaBRA, como aceleradora, e o Santander também está com um
laboratório de inovação. Todas as grandes instituições estão vendo alguma forma
de ficar perto desse mercado para não serem atropeladas pela onda”, afirma
Marcelo Bradaschia, do FintechLab.
“Eles não têm saída, ninguém vai
escapar desse movimento. A tecnologia está vindo como uma bola de neve. À
medida que vai ganhando escala, vai ficando mais importante, e você precisa
correr atrás”, completa a vice-presidente do Nubank.
Roberto Setúbal tem razão: é
preciso correr.
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