Sem
dinheiro para chegar à Europa, refugiados ficam retidos na Turquia
- 10/04/2016 17h02
- Izmir (Turquia)
Vladimir
Platonow* - Enviado Especial
A cidade de Izmir, a 330
quilômetros (km) ao sul de Istambul, é a última parada para quem fugiu da
guerra na Síria e no Iraque e sonha em cruzar o Mar Egeu para chegar à Grécia,
porta de entrada para a Europa. Entretanto, com o endurecimento de medidas
restritivas à chegada de novos imigrantes tomadas recentemente pelos países
europeus, centenas de famílias ficaram encalhadas em terra firme, em quartos de
hotéis superlotados ou em pequenas casas nos bairros mais pobres.
Em um quarto alugado na periferia
da cidade, a jovem curda Zozan Khaled, de 26 anos, espera sua hora de partir,
na companhia de dois filhos pequenos e de um bebê de apenas 7 meses. Ela fugiu
com o marido e as crianças da cidade de Qamishli, onde viviam, no norte da
Síria, quando a guerra forçou a saída da maioria dos moradores. Vieram de
ônibus, em uma viagem de 1.500 km. O marido conseguiu chegar à Grécia em um
bote e há 7 meses está na Finlândia. Agora, eles não têm dinheiro para reunir a
família. O pouco que ela tem, paga de aluguel no pequeno quarto.
“Quero ver o meu marido o mais
rápido possível. Se não, eu mesmo vou pegar um bote e ir atrás dele. Eu
gostaria de voltar à minha cidade, mas a situação ainda não está calma por lá”,
disse a jovem, que tem de lidar com um problema de saúde do bebê, uma hérnia na
barriga, mas não tem recursos para a operação.
Hotel na periferia de Izmir é o abrigo de dezenas
de refugiados sírios e iraquianos que esperam a hora de entrar em um bote e
tentar chegar à EuropaVladimir Platonow/Agência Brasi
Situação igualmente difícil vivem
dezenas de famílias, sírias e iraquianas, que se espremem em quartos de um
hotel barato, onde esperam a hora de pegar um dos botes que os levarão à
Grécia. A família do lavrador Wahed Sidi gastou US$ 3 mil para chegar à Turquia
e agora precisa de outros US$ 3 mil para seguir caminho até a Europa.
Sidi afirma que eles só têm US$ 2 mil e, por isso, não conseguem sair de Ismir.
No quarto, forrado com tapetes, ele e a esposa vivem com os seis filhos, em
idades de 1 a 15 anos, sem saber quando poderão sair dali. “O Estado Islâmico
chegou e matou muitas pessoas onde vivíamos”, contou Sidi.
O iraquiano Abdulah Mohamed deixou o seu país natal
com a família há 50 diasVladimir Platonow/Agência Brasi
No quarto ao lado, o iraquiano
Abdulah Mohamed também espera sua hora de poder chegar à Europa. Junto com a
esposa e dois filhos, um deles com a espinha fraturada por causa de uma bomba,
ele vê os dias passarem sem muita expectativa, depois de terem deixado o Iraque
há mais de 50 dias. O ex-funcionário público agora busca tratamento para o
filho na Turquia, mas sem sucesso.
Khere Naif figiu do Iraque depois que soldados do
Estado Islâmico mataram seu filho de 9 anosVladimir Platonow/Agência Brasi
O engenheiro Khere Naif precisou
fugir do Iraque depois de soldados do Estado Islâmico matarem seu único filho
homem, de 9 anos. Segundo ele, a esposa conseguiu sair do país com as quatro
filhas, mas que agora a família está separada. Ele conta que trabalhava em uma
empresa petrolífera e que hoje “não é mais ninguém, pois seu coração está
partido com a perda do filho”. “Eu quero chegar a qualquer país. O importante é
me salvar do Estado Islâmico.”
Novo acordo
Todas as pessoas entrevistadas
nesta reportagem foram ouvidas antes do início do novo acordo entre a União
Europeia e a Turquia. Desde o início de março, o compromisso tem permitido o
reenvio de migrantes ilegais que chegaram à Grécia para a Turquia.
O acordo União Europeia-Turquia,
fechado em 18 de março, tem suscitado várias críticas, especialmente por parte de organizações de defesa
dos direitos humanos.
Em troca da cooperação da Turquia
para conter a atual onda migratória, os líderes europeus concordaram em
acelerar a liberação dos vistos para os visitantes turcos e duplicar, para 6
bilhões de euros, a ajuda que será concedida ao país, até 2018, para melhorar
as condições de vida dos milhões de sírios já refugiados em território turco.
Cemitério
Para muitos, o sonho de recomeçar
na Europa se encerra na travessia entre a Turquia e a Grécia, onde acabam se
afogando nas águas do Mar Egeu. Embora a distância entre a costa de Izmir e a
ilha grega de Lesbos não seja grande, em média 33 km, muitas vezes os botes
infláveis, lotados além de seu limite, não conseguem superar as ondas e
afundam. Mesmo os que têm coletes salva-vidas não suportam o frio da água,
principalmente no inverno, e morrem afogados.
Ahmet Altan é o responsável pelo serviço religioso
no cemitério municipal de Ismir, onde são sepultados os refugiados que morrem
ao tentar chegar à Grécia pelo marVladimir Platonow/Agência Brasil
Para esses, foi criado um espaço
no cemitério municipal de Izmir, onde são enterrados os náufragos. Segundo o
religioso que faz os sepultamentos, Ahmet Altan, ali estão 530 corpos de
refugiados que tentaram, sem sucesso, a travessia – quase metade é criança.
Famílias inteiras são sepultadas lado a lado, mostrando a face mais perversa da
tragédia.
“Nós estamos vivendo esta
tristeza todos os dias. Tem que parar esta guerra, pois quando eles saem de
suas cidades, acabam se arriscando. Na nossa crença, as crianças são inocentes
e os que morrem na guerra, afogados no mar, são mártires”, disse Ahmet.
Do total de mortos no cemitério,
cerca de 400 foram identificados, mas outros 130 seguem desconhecidos.
Posição do governo
O governo da Turquia, por meio da Embaixada no
Brasil, informou que, apesar de todos os desafios, o país continua com sua
política de portas abertas em relação aos sírios, que têm buscado refúgio nos
últimos cinco anos.
De acordo com o governo, o total
de refugiados sírios na Turquia chega a 2,7 milhões, sendo que 271 mil estão
acomodados em 26 campos de proteção, o que torna o país a nação com o maior
número de refugiados no mundo atualmente. Segundo a Agência das Nações Unidas
para Refugiados (Acnur), há 4,8 milhões de refugiados sírios no mundo.
“Os sírios nos campos de proteção
recebem alimentos, itens de primeira necessidade, serviços de saúde e de
educação, além de apoio psicológico, treinamento para trabalho e atividades
sociais. Os sírios que vivem fora dos campos também estão sob proteção do
governo e se beneficiam de atendimento médico gratuito e serviços de educação”,
disse a embaixada, por e-mail.
De acordo com o governo turco, o
país já gastou cerca de US$ 10 bilhões em ajuda humanitária, mas só recebeu US$
462 milhões em ajuda internacional. Além dos sírios, a Turquia está recebendo
cerca de 200 mil iraquianos, igualmente atendidos com serviços de saúde.
A Acnur alertou para a
necessidade de um aumento de vagas para reassentamento de refugiados em países
vizinhos da Síria e no norte da África. Segundo avaliação da agência da ONU,
mais de 10% dos 4,8 milhões de refugiados sírios precisam ser reassentados em
outras regiões do mundo.
A Acnur estima que, com a
continuidade do conflito na Síria, mais de 450 mil vagas de reassentamento
serão necessárias até o final de 2018.
* O repórter viajou com um grupo de jornalistas brasileiros a convite do Centro Cultural Brasil-Turquia
Edição: Lílian
Beraldo
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